terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Helvetia e a importância de sua história

Por José Carlos Banwart*

Faço parte da terceira geração dos suíços aqui no Brasil. 

Os primeiros imigrantes vieram em 1854. Meus avós emigraram da Suíça em 1881 por conta da situação em que o país se encontrava – as pessoas passavam fome por conta da “doença da batata”, na qual o legume apodrecia ainda na terra. É importante destacar que a batata era tão importante para o suíço, como o arroz e feijão são importantes ao brasileiro.  Napoleão Bonaparte havia acabado com o país, existia um vazio grande de alimentos e riquezas por lá. Adultos e crianças passavam fome, então a única opção que meus avós e as outras famílias tinham era de buscar um lugar com mais oportunidades.

Na ocasião, o Brasil demandava mão de obra na produção de café, que estava a todo vapor e alavancava a economia do país, então, os suíços vieram para cá e passaram a trabalhar junto com os escravos. 

As “levas” chegavam ao porto de Santos, onde havia uma separação de imigrantes pelos donos de fazendas, no qual os trabalhadores eram escolhidos. Os suíços vieram então com um fazendeiro de Jundiaí e ali deram seus primeiros passos para mudarem de vida. 

O fazendeiro teve uma afinidade muito grande com eles e sempre lhes oferecia boas oportunidades. 

Em 1880 um dos pioneiros suíços faleceu no Brasil, sua esposa decidiu que não queria mais ficar aqui e retornou à Suíça. Antes de partir, o fazendeiro disse a ela para que incentivasse outros suíços a trabalharem no Brasil. Já de volta a seu país de origem, essa mulher notou que ali não era mais seu lugar. O povo, o país e a cultura não evoluíam, o país ainda era muito pobre e, diferentemente do Brasil, não ofertava boas oportunidades. Com coragem e racionalidade ela decidiu voltar e levar consigo pessoas que pudessem introduzir cultura e valores a todos que aqui já estavam, para uma formação digna. Vieram com ela um padre, em sequência mais dois grupos.

Com a evidência da Lei do Ventre Livre, que considerava livres todos os filhos de escravas nascidos a partir de 1871 e, pouco mais tarde, em 1888, a Lei Áurea, que foi o diploma legal que extinguiu a escravidão no Brasil, a demanda de trabalhadores começou a aumentar, porque já havia uma carência evidente na mão de obra da produção e colheita de café, então todos os suíços tinham seu espaço para trabalhar.

Com a chegada destes novos grupos em 1881, 82 e 83, o fazendeiro ficou muito feliz e cedeu uma casinha para que os suíços a transformassem em uma capela, local que passou a ser o ponto de encontro e interação das pessoas. Outra coisa que eles trouxeram foi o tiro ao alvo e conseguiram fundar um clube. Enfim, a realidade foi que neste tempo os suíços conseguiram se desenvolver muito e, em aproximadamente 30 anos conseguiram pagar suas dívidas e surgiu a oportunidade de comprar algumas vaquinhas. 

O grupo de imigrantes de 1881, em sua procura de umas vacas, conheceu um fazendeiro que ofereceu sua terra, que cercava o Rio Capivari Mirim, atual Helvetia. 

Com esforço algumas famílias juntaram seus fundos e conseguiram realizar a aquisição. Ali começou uma comunidade; a terra foi dividida, separaram antes um alqueire destinado à cultura, onde foi construída a escola e depois a igreja que está lá até hoje. Buscaram um professor na Suiça, para educar as crianças. Este grupo fundou então a Colônia Helvetia em 14 de julho de 1888. Foram quatro famílias originárias do cantão de Obwalden, na Suíça Central. 

O nome Helvetia veio de uma placa que uma das famílias colocou em frente à sua casa, e assim ficou. Helvetia representa o povo da Suiça na época do Império Romano e quem o nomeou assim foi Júlio César.

Cerca de 24 famílias passaram a frequentar a igreja, a escola e o tiro ao alvo

Eu tive um tio que era muito andarilho naquela época e ele também conseguiu trazer um convento para a Helvetia. Como a igreja católica ainda pregava que quando um casal estabelecesse uma união estável, precisava ter filhos, então em dado momento havia muitas crianças. Os meninos quando cresciam trabalhavam com seus pais e as meninas eram educadas no convento. 

E assim a comunidade foi caminhando. 

Pouco à frente na linha do tempo, na minha época, em 1941, a comunidade estava no tempo em que as crianças já saiam da Helvetia para se educarem. Foi assim comigo, quando saí da escola fui para o seminário, em São Roque. Colocaram-me em um trem sozinho aos dez anos de idade e meu tio, que era padre, me esperaria na estação final. Fiquei por nove anos lá até perceber que não tinha a vocação para desempenhar o papel de um padre, mas foi uma experiência muito válida, pois aprendi muita coisa, tínhamos uma ótima grade de estudos. 

Segui então para a faculdade, estudei engenharia em São Bernardo, onde me formei. Longos anos se passaram e retornei a Helvetia. Casei com Rosa Angélica Ambiel Bannwart, que também descendia dos suíços que fundaram a comunidade, e tivemos nossos cinco filhos, Maria Paula, Luíza Helena, Juliana, Carlos Henrique e Ana Carolina.

O meu contato novamente com a comunidade foi em uma reunião que alguém, que não me recordo quem, me levou. Esta reunião ocorria a cada dois anos para a eleição da nova diretoria e os membros que ocupavam os cargos já estavam sobrecarregados, e a situação não era favorável: a escola já era a favorita da população de todo o entorno da comunidade, então as salas não comportavam mais alunos e os fundos eram baixos. 

A escola recebia apoio do Estado e bancava sete professoras, enquanto a comunidade bancava uma. Lembro que enquanto as do Estado ganhavam quatro mil cruzeiros, mais  todos os direitos CLT, e a professora bancada por nós recebia apenas mil cruzeiros por mês. Ao criticar esta situação me tornaram presidente para ajudar a mudar esta realidade. 

Mal tinha sido eleito presidente e apareceu o primeiro desafio: o Cardeal Rossi descobriu a nossa paróquia, que era a menor capela da região de Campinas, mas que alcançava a maior contribuição per capita do mundo, então ele quis nos visitar. Ficamos apreensivos, mas da nossa maneira o recebemos. Juntamos fundos e tudo deu certo. Convidamos o pessoal da PUC para ajudar na recepção. A atração nos fez arrecadar nosso primeiro dinheiro extra. Dias depois nos reunimos e comecei a motivar todos da diretoria para fazermos mais eventos como aquele. E assim seguiu. Com o tempo conseguimos ajustar a questão do salário de nossa professora e nos reestruturamos.

Hoje realizamos diversos eventos conhecidos em Indaiatuba, como exemplo a Festa Junina que fazemos e é sempre uma das maiores da cidade, com recorde de público, e também a Festa da Tradição.

Foi assim que vimos Indaiatuba surgir, foi assim que eu vi Indaiatuba crescer

A Helvetia, no meu ponto de vista, é consequência de uma história que aconteceu à revelia. 

Mesmo com as dificuldades, as pessoas a partir de 1894, não eram mais analfabetas, pois todos aproveitaram as oportunidades. 

Foi um povo que lutou e prosperou.

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* José Carlos Banwart e membro do Conselho de Preservação da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba.
Este texto foi originalmente publicado no Jornal Destaque em novembro de 2015.






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