quinta-feira, 12 de março de 2009

O trânsito em 1919

Trole perto da Estação Ferroviária da Helvetia no início do século XX


O trânsito está insuportável e não é necessário andar muitos quilômetros para sofrer ou simplesmente ver alguma manobra para lá de abusiva para que já dispare na gente um estado de irritação, aflição ou perplexidade. As ruas ficaram estreitas demais para suportar a demanda advinda de linhas de crédito que permitiram a muitos comprarem seu carro novo para pagar em 6 (seis!!!!!!) anos. E as motos? Quem ganha um salário mínimo já compra uma e ainda sobra mais da metade do salário. E essa facilidade faz com que a avenida Ário Barnabé seja transitada apenas por aqueles que, corajosa ou ingenuamente se atrevem a tentar passar por ela sem ver um motoqueiro estatelado no chão, rodeado pela população curiosa que se acotovela a espiar nossos valorosos bombeiros. Não é minha intenção desdenhar dos portadores dos carnês, não é isso! Esse desabafo pode parecer elitista, eu sei, mas sou também uma portadora desse débito e meu foco é falar sobre o caos, ou melhor, sobre o trânsito.

Creio que os especialistas da prefeitura tentam tecnicamente fazer o possível, sempre sob os protestos ou deboche da população, mas... que consegue organizar o inadministrável?

Mas lendo um documento que o “seo” Geiss me deu, sobre uma tentativa de regulamentação dos veículos em Indaiatuba feito em 1919, vejo que os problemas referentes ao tráfego já estavam presente naquela época! Tá certo que a quase cem anos atrás a tentativa era ordenar o tráfego de veículos basicamente puxados por burros, cavalos, jumentos e até bois, mas podemos concluir que o assunto causava problemas também, uma vez que esse documento que comento, foi assinado pelo delegado de polícia e seu escrivão, pelo prefeito e seu secretário, ou seja: praticamente todas as autoridades da época estavam envolvidas na concessão da tal habilitação.

Trata-se, mais especificamente , de uma carta de concessão para um carroceiro, autorizando-o a trafegar vehiculos após prestar um exame. Foi concedida a Rodrigo Antonio, 40 anos, filho de João Antonio, brasileiro, casado, residente em Indaiatuba numa fazenda cujo nome é ilegível. Sendo essa “carta” emitida pela Prefeitura Municipal de Indaiatuba, o qualificado deveria passar a agir de acordo com o Regulamento de Vehiculos em vigor em nossa gloriosa cidade, feito em 2 de março de 1919, que dá uma noção sobre as regras de “trânsito” da época, as disposições e as penalidades. Vejamos.

A lei alertava para que todos os vehiculos fossem “conduzidos ou guiados de modo a dar sempre o lado esquerdo aos que transitam pela mesma rua ou caminho, em sentido opposto”. Isso organizava o vai-e-vem do movimento nas não mais do que dez ruas de Indaiatuba. A noite todos os condutores deveriam “trazer lanternas accesas” e menores de 16 anos não podiam “ ser admitidos como conductores de vehículos, quer sejam automóveis, quer sejam de tracção animal.”

Como hoje, naquela época também os condutores tinham obrigações controladas sob penas de multa. Não podiam carregar veículos com “peso superior a sua lotação e não castigar os animaes de modo impropriado” (?) ou "bárbaro". Os cocheiros não podiam sentar nem transportar ninguém nos varais das carroças, que deveriam ter, portanto, “competente boléa, tendo os animais os arreios apropriados, com thesoura e ponta de guias”.

Já os condutores de automóveis (onde estariam?) deveriam diminuir a marcha “nas proximidades das esquinas” e também “fazer usar os apparelhos de aviso” quando encontrassem outros veículos ou quando houvesse “aglomeração de pessoas”. Condutores de veículos que qualquer tipo eram responsáveis “pelos volumes ou mercadorias" que conduzissem e não podiam "fornecer seus vehiculos para a prática de crimes ou para qualquer acto prohibido ou reprovado”. Todas essas prescrições, quando infringidas, eram passíveis de uma multa de 30$000 e “em dobro nas reincidencias.”

Os acordos entre os cavalheiros da época, tanto contratante como contratado, tinha que ser cumprido, sob pena de multa também: “o conductor de vehiculos que deixar de comparecer no logar e hora marcada quando haja sido contratado, pagará multa de 20$000” e por sua vez, “o passageiro que não queira utilizar-se do vehiculo contratado ou que não seja encontrado no logar e hora designadas, será obrigado a pagar a importancia devida".

As tentativas de fazer valer toda essa regulamentação já causava, na época, atos insubordinados da população, que de uma forma ou de outra contestava ou não respeitava as regras. Podemos concluir isso com o conteúdo do 13º. artigo: “todo conductor de vehiculos, que de quaquer forma desobedecer e maltratar agentes encarregados das disposições deste regulamento, poderá ser preso por três dias, além do pagamento de multa em que haja incorrido".
Hoje em dia uma das preocupações dos agentes que trabalham na regulamentação do trânsito refere-se à utilização de capacetes. Em nossa Indaiatuba antiga, preocupação semelhante também existia, uma vem que o adendo da lei dizia que “os conductores de automóveis, quando em serviço, deverão estar decentemente vestidos”.

Ao fazer essa pequena comparação com o trânsito de nossa antiga Indaiatuba e o de atualmente, salta aos nossos olhos a necessidade de se fazer valer com eficácia tanto o Código Brasileiro de Trânsito(CTB), como a Política Nacional de Trânsito. As duas referências prevêem que o tema "Educação para o Trânsito" seja tratado na educação básica. Louvados sejam os projetos neste sentido, não só para que a mobilidade urbana seja viável, mas para - e sobretudo- preservar vidas que ainda não foram ceifadas brutalmente em um acidente ocorrido nesse caos.



(clique para ampliar)
Permissão Especial concedida para Romeu Bernardinetti
Imagem cedida por Cidália Bernardinetti,
originalmente disponibilizada no grupo virtual "Dinossauros de Indaiá"
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1- Se você tem imagens, dados ou informações sobre o tema e quer compartilhar, escreva para elianabelo@terra.com.br
2- Fonte: cópia de Carta concedida pela Prefeitura Municipal de Indaiatuba para Rodrigo Antonio em 25 de agosto de 1924, doada por Antonio Reginaldo Geiss para Eliana Belo Silva.
FROTA DE INDAIATUBA DOBRA NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS

DADOS DO DEMUTRAN (DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO) MOSTRAM QUE EM 31 DE DEZEMBRO DE 2000, A FROTA DA CIDADE ERA DE 59.124. O NÚMERO SOFREU UM SALTO DE 107,9% AGORA EM 2010. EM 20 DE JULHO HAVIA O REGISTRO DE 122.915 VEÍCULOS. ENQUANTO ISSO, O CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO REPRESENTOU 25%. EM 2000 O IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA) REGISTROU UMA POPULAÇÃO DE 147.050, ENQUANTO A ESTIMATIVA DO ÓRGÃO PARA 2009 ATINGE OS 183.803. LEVANDO EM CONTA A COMPARAÇÃO DO PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2010 COM 2009, O DENATRAN (DEPARTAMENTO NACIONAL DE TRÂNSITO) APONTA QUE HOUVE UM CRESCIMENTO DE 9,7% NA FROTA. OS 106.300 DO ANO PASSADO CHEGARAM A 116.600 ESTE ANO NO PERÍODO. SOMANDO TODAS AS CIDADES DA RMC (REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS) O AUMENTO FOI DE 7,1% E PASSOU DE 1,4 MILHÃO PARA 1,5 MILHÃO. OU SEJA, 100 MIL VEÍCULOS A MAIS. MESMO ASSIM, O CRESCIMENTO DA REGIÃO É MENOR DO QUE O DE INDAIATUBA.

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